sábado, 13 de fevereiro de 2016

Conto(-te) #4

Parecia um dia como tantos outros: no caminho para a mina cantarolávamos, invocando algo diferente; durante horas, perdíamo-nos entre a escuridão e os diamantes; no final, voltávamos a cantarolar, sem grande esperança de algo de novo. E assim acontecia o acrescentar rotineiro de minutos à vida.
Quando nos aproximámos de casa, o Mestre fez sinal para pararmos. Do seu interior, uma luz e um cheiro caseiro denunciavam alguém. Cautelosos, avançámos: tudo arrumado, a lareira acesa. Subimos a medo. Numa das camas, aninhada, reconheci-a de imediato: Branca de Neve. O que fazia ali a filha do rei? Todos conheciam os rumores da maquiavélica Rainha e do seu ódio pela princesa. Mas a sua presença na nossa casa era uma incógnita. Ou, pelo menos, até ao momento em que acordou: assustada, pediu desculpa por nos ter invadido a casa; perdida em lágrimas, justificou-se. Afinal os rumores de um espelho mágico confirmavam-se: não conseguindo superar a beleza de Branca de Neve, a Rainha encomendou a sua morte a um caçador, mas este não fora capaz e deixou Branca de Neve fugir.
Deixámo-la ficar connosco: a partir daquele momento, passámos a acrescentar vida aos minutos. Lembro-me de uma noite, na grande clareira, em que me fez companhia:
- Por que vens aqui todas as noites?
- Para olhar as estrelas, imaginar como seria a vida se eu fosse um homem de verdade.
- Mas tu és um homem de verdade!
- Não. Se eu fosse de verdade, podia encontrar o amor.
- O amor tem diferentes formas e está em tudo o que nos rodeia.
Contou-me sobre o príncipe que conheceu num dos seus passeios: de como se apaixonaram, das promessas de amor eterno, da saudade. As suas palavras inundaram-me a memória no dia em que, ao chegarmos a casa, encontrámo-la caída no chão: ao seu lado, uma maçã vermelha fatal.

Branca como a neve, cabelo de ébano, lábios romã: a morte não conseguia vesti-la. Construímos-lhe um caixão de vidro, para que tudo e todos a velassem. Aterrorizado, um homem aproximou-se, ao descobrir-lhe o rosto. Percebi que era o seu homem de verdade: o caixão foi aberto e aquele homem, tão pequeno agora, chorou abraçado à morte. Lágrimas corriam nos seus rostos, tão próximos no beijo selado. E das lágrimas e do beijo nasceu um respirar. Branca de Neve abraçara novamente a vida e o amor, que se estenderam a tudo e a todos.

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